O Lula, a política e a politicalha.
O Lula,
a política e a politicalha.
(Por
Cristóvam Luiz)*
Pavilhão
São Cristóvão – Rio de Janeiro –Julho, 1978
Era
o ano de 1978 - Apesar de estarmos vivendo num tênue período da chamada
ditadura militar, comandada pelo Presidente Geisel, a tensão de cerca de seis
mil trabalhadores inscritos no Congresso Nacional de Trabalhadores
Industriários era amenizada pela doce esperança de se avançar na conquista de
melhorias para a classe trabalhadora do Brasil. O pavilhão de São Cristóvão, na
cidade do Rio de Janeiro, estava rodeado por pelotões de cavalaria e policiais
fortemente armados, mas o organizador-mor do evento, Ari Campista, Presidente
da CNTI, parecia confiante na realização de um Congresso pacífico, pois o mesmo
contava com participantes de todo o país.
Nesse
ano, Luis Inácio, o Lula, estava nos holofotes da imprensa nacional devido à
liderança das greves na região do ABC, em São Paulo. Particularmente eu via
naquele barbudo uma semelhança com o Che Guevara, que admirava e me embalava os
sonhos de universitário. Porém algo estranho em seus olhos me dizia para que eu
não confiasse tanto naquela estranha liderança.
No
primeiro dia do Congresso, as reuniões nas diversas comissões, com líderes
sindicais de todas as regiões brasileiras parecia fluir para um consenso pelo
avanço na apresentação de teses e encaminhamentos importantes para as
conquistas trabalhistas. Lembro-me de que fui escolhido para ser o relator da
Lei de Greve, assunto que mexia com os brios da classe sindical e da massa
trabalhadora naquele momento tão importante para a transição da história. Todas
as Comissões foram regimentalmente eleitas, com representações sindicais de
Norte a Sul e de Leste a Oeste.
No
dia seguinte, porém, tivemos a surpresa de encontrar logo cedinho, antes do
reinício das atividades, um movimento de rebeldia liderado por sindicalistas de
São Paulo, que queriam mudar todo o processo de condução do Congresso, rasgando
regimentos e chegando ao cúmulo do sindicalista conhecido como Alemão ficar aos
berros dizendo que havia representantes do Nordeste pregando reivindicações
para que as “empresas fornecessem bicicletas para o transporte dos
trabalhadores” e aquilo era um absurdo. Em sua opinião, os representantes do
Estado de São Paulo deveriam estar em todas as comissões, pelo motivo de ser
maioria presente no evento. Em outras palavras, se deveria privilegiar os representantes
paulistas, abandonando as orientações regimentais do Congresso no sentido de se
respeitar as outras representações nacionais. Essa idéia se fortaleceu com o
apoio aos berros de Lula, até o ponto em que recomeçaram as discussões
acaloradas do público presente.
Inscrito
para falar, manifestei-me: “Um dos intelectuais e políticos mais respeitados
desse país, nos dizia que existe política e existe politicalha. A política, nos
admoestava Rui Barbosa, é a arte de gerir um Estado através de leis escritas,
princípios definidos e tradições respeitáveis. E a politicalha é a indústria de
produzir benefícios de interesses próprios. Eu porém vos digo, aqui nesse
momento temos sindicalistas e sindicateiros; os sindicalistas aqui vieram para
defender os interesses da família brasileira e os sindicateiros apenas querem
usufrutos pessoais”. Isso foi o bastante para agitar os ferozes e despertar os
moderados e, é claro, levei vais daqueles e apupos destes. Ainda guardo com
boas recordações alguns recortes dos jornais O Globo, da Folha da Tarde e da
Tribuna Operária do dia seguinte.
Depois
disso, Lula e outros líderes sindicais passaram a aceitar a participação dos
seus pares de outros rincões do país, a Lei de Greve, o fortalecimento de leis
trabalhistas, a abertura das discussões das eleições diretas, o voto e a
eleição das mulheres e a melhoria da CLT foram discutidos democraticamente e
indicados numa Carta Nacional dos trabalhadores industriários.
A política, lembrada por Rui, ainda nos anima, mas a politicalha dos tempos atuais pós Lula nos decepcionou muito desde aquele episódio do maior Congresso de Trabalhadores organizados pela CNTI. Isso, porém, não nos faz cruzar os braços para aceitar com passividade a validação de interesses dos nossos algozes.
*Cristóvam Luiz é professor, escritor e produtor cultural.
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